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Minhas Heroínas – Karen Blixen

Embora uma das coisas que eu mais goste de fazer nessa vida seja ler, infelizmente compro poucos livros. Outro dia fiquei tentando entender porque. Pensei comigo, um dos motivos é que essa roça onde vivo não tem livrarias decentes. Só tem uma Siciliano no “xópim”. Depois é claro, o preço dos livros não contribui muito. E também o vício nas séries de TV a cabo roubam o tempo que normalmente eu dedicaria à leitura. Só que acabei concluindo que no fundo isso tudo não passa de desculpinha esfarrapada, porque preço nunca me impediu de comprar aquele vestido maravilhoso! Que vergonha! Resolvi colocar um basta nisso.

Tomei vergonha na cara e entrei no site da Cosac Naify. Parei de babar nas edições luxuosas e comprei não apenas um livro, mas uma coleção inteira, a Coleção Mulheres Modernistas. Cada capa mais linda que a outra e ainda veio dentro de uma sacolinha de lona roxinha, estampada com o mesmo padrão de uma das capas. Mas o melhor mesmo são os livros! As autoras são todas fantásticas mulheres que se destacaram numa época em que o mundo ainda era dominado pelos homens (como se ainda não fosse). São oito livros: Contos de Katherine Mansfield, Contos Completos de Virginia Woolf, A Fazenda Africana, Anedotas do Destino e Sete Narrativas Góticas de Karen Blixen, O Homem Sentado no Corredor e A Doença da Morte e O Amante de Marguerite Duras, e finalmente, Contos Completos de Flannery O’Connor. Ufa! Não compensei ainda as milhares de horas em frente à TV, mas já melhorou a situação.

De todas as autoras não conhecia Karen Blixen e Flannery O’Connor. Ainda não li Flannery O’Connor, mas estou adorando a Karen. E é sobre ela que quero falar nesse primeiro post de uma série em que vou falar das minhas heroínas.

Karen Blixen ou Isak Dinesen

Karen Blixen nasceu na Dinamarca em 1885. Casou-se com o barão Bror von Blixen-Finecke, e foi morar no Quênia numa fazenda de café próxima a Nairóbi. Contraiu sífilis do marido e sofreu com a doença por toda sua vida. Aos 36 anos, em 1921 se separou e assumiu o comando da fazenda, onde morou até 1931, quando teve que vendê-la em conseqüência da Depressão.

Durante a época em que viveu na África, manteve um relacionamento com o caçador inglês Denys Finch-Hatton, que logo a pós a venda da fazenda morreu em um acidente de avião. Ela então retornou à Dinamarca e passou a se dedicar à literatura, usando o pseudônimo de Isac Dinesen. Em 1962 ela morreu aos 77 anos, fragilizada pela doença. A Fazenda Africana tornou-se seu livro mais famoso depois de ter sido adaptado para o cinema por Pollack em 1985, estrelado por Meryl Streep e Robert Redford. Também de sua autoria é o conto em que foi baseado o filme “A Festa de Babette”, dirigido por Gabriel Axel.

A Fazenda Africana

Nesse livro maravilhoso, Karen conta sua vida na África e como ela se encontrou nessa terra, que na época ainda estava quase que completamente selvagem. “Aqui estou onde devia estar”. Karen aprendeu muito sobre os povos nativos e passou a amá-los e respeitá-los.

Os personagens são descritos com tanta sensibilidade, que é possível imaginar a tristeza e a saudade que ela deveria sentir. No fim de sua jornada no continente, ela ainda conseguiu que o governo cedesse aos seus colonos uma faixa de terra nas proximidades da fazenda, argumentando:

Quando lhes retiramos aquelas coisas que estão acostumados a ver, e esperam continuar vendo, é como se, de certo modo, lhes retirássemos os próprios olhos.

Por essa e por outras, Karen se tornou uma das minhas heroínas. Uma mulher que toca uma fazenda sozinha, no meio da África, no início do século passado, que tem um casamento fracassado, que convive com a sífilis, que perde toda sua fortuna, que tem o amor da sua vida morto num acidente, mas que ainda assim se torna uma das maiores escritoras do modernismo. Karen, quando crescer quero ser como você.

Uma metáfora que ela gostava de contar:

Se, ao plantar um pé de café, você vergar a raiz-mestra, esta planta começará, depois de um breve intervalo, a mostrar uma multiplicidade de pequenas e delicadas raízes, quase aflorando à superfície. Esta planta não será produtiva, nem carregará frutos, mas florescerá mais ricamente que as outras.

Estas delicadas raízes são os sonhos da planta. À medida que elas se espraiam, a planta não mais precisa pensar em sua vergada raiz-mestra. Mantém-se viva graças a elas, mas só um pouco, não por muito tempo. Se se preferir, pode-se também dizer que a planta morre por causa delas. Pois em verdade, o sonho é a maneira de pessoas bem-educadas cometerem suicídio.

E um trecho do conto Os caminhos em torno de Pisa, de Sete Narrativas Góticas, em que dois personagens, um homem e uma mulher conversam sobre o relacionamento entre os sexos:

-Ora, Deus – continuou ela -, ao criar Adão e Eva – e aqui também ela os fitou através do salão – , dispôs as coisas de tal modo que o homem tenha, nessas questões, o papel de um convidado, enquanto à mulher cabe o de anfitriã. Por isso, o homem encara com ligeireza o amor, pois neste não estão envolvidas a honra e a dignidade de sua casa. E também é possível, evidentemente, que sejamos convidados de muita gente para a qual jamais gostaríamos de ser anfitriões. Agora, diga-me uma coisa, conde: o que quer um convidado?

– Creio – disse afinal Augustus, após examinar a questão com cuidado – que, como convém neste caso, se deixarmos de lado o convidado grosseiro, que espera ser regalado, se empanturra e vai embora, o que um convidado quer antes de tudo é ser entretido, de modo que possa escapar à monotonia e às preocupações corriqueiras. Além disso, um convidado decente quer brilhar, se expandir e imprimir sua própria personalidade ao ambiente. Por último, talvez ele queira encontrar uma justificativa para sua existência. Mas como a senhorita colocou a questão de modo tão encantador, responda-me agora, por favor: e a anfitriã, o que ela quer?

– A anfitriã – disse a jovem – quer, acima de tudo, o agradecimento de seus convidados.

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