Está passando agora na tv aquele filme, Crash, que segue a mesma linha do Babel. Tramas paralelas que se tocam e que falam dos problemas sociais dos nossos tempos: racismo, violência, guerra, etc. Quer dizer, acho que de todos os tempos.
Enfim, isso acabou me lembrando um dia esse ano, em que fui prá São Paulo fazer várias coisas, entre elas, fui aprovar as camisetas do WordCamp. O lugar era na Vila Olímpia, eu estava no Marechal Deodoro. Já eram quase cinco horas, o lugar fechava às seis. Começou a cair um pé d’água daqueles. O trânsito estava uma caca, eu estava cansada dentro do ônibus parado. Liguei avisando que estava a caminho, mas que ia atrasar. Concordaram em me esperar. Cheguei no local às seis e quarenta, pingando porque o guarda-chuva não adiantava prá nada diante daquele aguaceiro. Saí de lá, parecia que nunca mais os carros iam se movimentar. Resolvi esperar num café, comer alguma coisa. Quando deu oito horas saí e resolvi voltar prá casa. Cheguei em casa quase meia-noite. Estava um caco, nervosa, cansada, molhada, com frio, moída. Fui caminhando prá casa, pensando “que merda!”.
Na rua de casa, quando eu parei prá atravessar, olhei prá baixo e tinha um mendigo deitado no chão, encolhido, molhado, embaixo de um telhadinho, desses de portão. No exato momento em que eu olhei, ele se virou para meu lado e nossos olhares se cruzaram. Meu instinto foi me assustar, ficar com medo. Mas no mesmo instante a sensação se apagou, porque o olhar dele era tão perdido, tão desolado. Eu segui meu caminho e entrei em casa. Mas eu não conseguia parar de pensar naquele homem, deitado no chão, no frio, na chuva, sem ter um lugar prá se abrigar. Eu tomei meu banho, botei pijama e me deitei. Mas o pensamento no coitado, o que se passava naquela mente? Pensei: “minha avó não iria deixar isso acontecer na porta da casa dela”. Levantei da cama, peguei uma blusa, um par de meias, um saco plástico, criei coragem e saí na rua e fui levar prá ele, mas ele não estava mais lá.
Entrei em casa e me senti mal. Quanta gente, meu Deus, anda assim perdida pelo mundo, e a gente no conforto da nossa casa? Eu disse acima: “criei coragem”. Pois a palavra é justamente essa: coragem. Minha avó tinha coragem, minha avó era boa. Ter bondade é ter coragem.